Diferenças e desigualdades!

Nada mais didático do que a pandemia da COVID-19 para mostrar como somos iguais nas mazelas, nos desastres e nas doenças; nada mais didático também para mostrar como o tratamento a tudo isso é tão desigual.

Texto escrito em maio de 2020.

Quando nós, em nossa ingênua sabedoria, achávamos que o mundo estava começando a retornar ao seu normal, se é que hoje ainda sabemos o que é esse normal que tanto esperamos, no final de maio de 2020, surge das entranhas da sociedade, o que estava escondido, abafado e tão veementemente sufocado: as desigualdades.

Quando se fala em “novo normal”, afinal estamos nos referindo ao normal para quem? Já que cada classe, povo ou tribo, tem o seu normal, e são bem diferentes em termos de oportunidades e perspectivas. O estopim foi a morte cruel de um negro por um policial, nos EUA, mas poderia ter sido muitas outras coisas, pois o que faltava era apenas um motivo, já que a desigualdade estava instalada. O povo recluso, impedido de ir e vir, com seus sofrimentos raciais antigos, com suas renúncias, angústia e tudo o mais, queria extravasar tudo nas ruas e saíram para dizer: “não consigo respirar”, as derradeiras palavras de George Floyd, antes de morrer sufocado por um policial branco, mesmo depois de algemado. O que era um protesto pacífico contra o racismo, acabou extrapolando e chegando a agressividades, quebra-quebra e incêndios, trazendo tudo o que estava guardado bem antes da pandemia. O racismo parece um mal sem fim, assim como os outros preconceitos, de vez em quando explode em revolta, mas logo tudo volta ao “normal”.

Enquanto isso no Brasil, depois de passeatas de todo tipo, a favor do governo federal, chegando na agressividade e no “sem noção” de fazer uma passeata de fogaréu com máscaras e tudo, em frente ao STF e como sempre, acompanhada de faixas exortando o fechamento do congresso e a intervenção militar. Para contrapor, o outro lado resolve fazer uma passeata contra o fascismo e tudo acaba em quebradeira, saques e enfrentamentos com a polícia. Será que estamos voltando a barbárie? Temos que ganhar as coisas no bizarro e na baderna?

No centro de tudo isso está a diferença e a forma como a encaramos. Somos intolerantes com o que é diferente e, até quando lutamos contra isso, também somos intolerantes. A pandemia veio mostrar que todos poderiam ficar doentes, que não havia diferença entre ricos e pobres no sentido de adquirir e morrer da doença, mas e a forma de acesso ao tratamento? Isso já estava definido bem antes. A questão econômica, trazida por ela, foi muito cruel em deixar bem claras as diferenças, tanto na perda de emprego como na perda dos “bicos” dos quais sobreviviam grande parte da população de baixa renda.

Não somos iguais, em muitas coisas. Temos talentos e habilidades diferenciadas. Vivemos de formas mais diversas, as vezes por convicção. Mas o que é difícil de entender é porque, mesmo sendo os seres humanos tão diferentes, ainda temos tanta dificuldade de entender e aceitar o outro em suas diferenças. A dificuldade de aceitar aumenta o abismo das desigualdades e do próprio entendimento, pois vivendo em guetos, passamos a nos identificar com os outros semelhante e achar a normalidade nisso. As redes sociais com seus algoritmos de busca de semelhança, só reforçam o que Caetano Veloso queria dizer com “Narciso acha feio o que não é espelho”.

A esta altura das coisas ninguém sabe onde vamos parar. O Brasil sem rumo no meio da pandemia. Os EUA, que sempre foi referência em gestão de tudo, perdido no meio de uma crise social sem precedentes, com um governo que só alimenta a violência e as diferenças. O resto do mundo tentando se reerguer, mas fechando suas fronteiras, criando resistência ao que vem de fora, uma vez que não confia no controle dos outros países. Talvez esta seja a nossa maior crise atual: a crise de confiança. Andamos nas ruas, desconfiando de todos e sem poder dar nem um aperto de mão. Parece que passamos a olhar atravessado para todo mundo e não conseguimos passar, apenas com o olhar acima das máscaras, os nossos sentimentos de solidariedade e humanidade para com o próximo. Passamos a ser iguais por trás das máscaras, o que, talvez, só aumente as nossas desigualdades.

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