Medo de que?
Hoje acordei com uma música na minha cabeça e fico o dia todo repetindo algum trecho sem conseguir parar: “Eu tenho medo e medo está por fora, O medo anda por dentro do teu coração. Eu tenho medo de que chegue a hora, em que eu precise entrar no avião...”, uma música do Belchior que me fez lembrar da primeira vez que eu viajei de avião, em 1983. Na época eu tinha 22 anos e fui, sozinha, fazer um curso na IBM em São Paulo.
Tinha muito medo envolvido naquela viagem, pois eram muitas “primeiras vezes”: Primeira vez sem meu filho; primeira viagem sem meu marido; primeira vez em São Paulo sozinha; primeira vez na sede da IBM, nosso grande “guru” da tecnologia, primeira vez a fazer uma viagem de avião... Fui enfrentando cada um dos medos por vez, mas quando cheguei no avião, me sentei na janela, que era próxima da asa e fiquei olhando para fora, me dei conta do que estava para fazer e o nível do medo subiu muito.
Logo chegou o meu companheiro de jornada, um padre, e eu já achei que aquilo só podia ser um mau presságio. Pensei em desistir, mas o medo de fraquejar foi maior que o medo do avião, e eu fiquei. O padre me cumprimentou, tirou um livro e começou a ler, muito tranquilo e aquela atitude me tranquilizou por um tempo também. O avião decolou, rezei algumas “Aves Marias”, e o decorrer da viagem até que foi bom. Pelo menos até chegarmos próximo a São Paulo, quando o piloto disse que o tempo estava bem carregado e uma frente fria estava sobre a cidade. Nesse momento o avião começou a balançar.
Olhei para o padre para ver se ele estava rezando, mas ele continuava lendo seu livro tranquilamente. Voltei a olhar para fora, quando, de repente, um raio estalou na asa do avião (depois fiquei sabendo que tem um para raio ali). Eu soltei um palavrão, mais alto do que devia e olhei rapidamente para o padre, sabendo que ele tinha ouvido e achando que ele ia me reprovar, mas ele olhou para mim e só falou: “é apenas um raio” e voltou para o seu livro.
Pode não parecer, mas aquela tranquilidade do padre ao meu lado, me prestou uma ajuda incrível. Acho que se eu tivesse alguém do meu lado que também estivesse com medo, isso me faria voltar de ônibus de São Paulo, depois do curso.
Vou fazer um paralelo desta história e a atitude do padre com algumas atuações em consultoria, quando a equipe envolvida está com muito medo das mudanças. Nestes momentos, somos nós, os consultores, que temos que manter a tranquilidade necessária para que eles sintam que está tudo bem e tenham a coragem necessária para enfrentar os problemas que precisam ser solucionados.
Alguns são “marinheiros de primeira viagem” e nunca sentiram de perto um processo de mudança, outros são “escolados” em processos de mudanças e até descrentes de seus resultados, mas sempre têm aqueles que encaram essas fases como normal no desenvolvimento das organizações. Esses últimos são os que mais ajudam neste momento e procuro trazer os demais para este mesmo estado de normalidade, buscando entender e ajudar com seus medos.
Me lembro que quando eu ainda tinha medo de viajar de avião, eu ficava olhando para os comissários e prestando atenção no tom da voz do comandante para ver se detectava algum sinal de que alguma coisa não ia bem. Nas organizações, além de olharem para nós, os consultores, eles olham para os líderes, para ver se eles estão à vontade com o que está acontecendo, mas alguns líderes gostam de ver um ambiente de pânico para depois pousar de “super herói”, tentando ganhar pontos com o medo da equipe. Tudo por conta do ego.
Eu perdi o medo de viajar de avião no dia em que um piloto que viajava na poltrona ao lado da minha, foi explicando o que estava acontecendo com o avião e assim fui percebendo que os “barulhos” tinham um motivo. Nas mudanças organizacionais o compartilhamento da informação sobre tudo o que está acontecendo também traz a sensação de tranquilidade, mas se o líder quer que o processo realmente tenha sucesso, é preciso mais do que compartilhar informações, mas também compartilhar a responsabilidade pelas mudanças, levando a equipe participar de todo o processo e abrindo seus sentimentos de aflição e medo para todos, e assim perceberem que estão “no mesmo barco “(ou seria avião?).
Medos todos temos, mas a forma como aprendemos a encará-los faz toda a diferença. Você tem medo de quê?
Artigo baseado no segundo episódio da segunda temporada do meu podcast Lidere Para O Mundo
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