O trilheiro das formigas!

Quando eu era criança gostava muito de observar os trilheiros de formigas levando folhas para o formigueiro e voltando pelo mesmo caminho em uma organização que me deixava intrigada. Depois de um tempo observando e com um pouco de maldade, eu reconheço, eu passava o pé no sentido vertical no trilheiro, e elas ficavam todas perdidas voltando ao ponto de partida e voltando de novo ao lugar onde a trilha foi desfeita, algumas até se perdendo no mato ao redor. Com o passar do tempo, algumas das formigas conseguiam achar o caminho novamente e, aos poucos, elas iam voltando para uma nova organização.

Esta semana, ao ler um artigo sobre o desarranjo que se encontra o sistema de logística mundial e conversando com alguns clientes que estão sofrendo as consequências desta situação, com falta de peças e produtos, me lembrei das formigas e seus trilheiros. O mundo até estava preparado tecnologicamente para atender a demanda do e-comerce advindo com a pandemia, mas todo o sistema de logística físico e humano não estava preparado, não tinha potencial para um crescimento tão acelerado como o que foi exigido pelo excesso de pedidos online e acabou se desorientando totalmente.

Com a necessidade do aumento de utilização, quer seja de caminhões, trens, contêineres, navios ou aviões, veio também a necessidade de mais profissionais para atuarem em todos estes campos. Com a pressão por mais produtividade emergiram várias demandas reprimidas, quer seja por melhores remuneração ou por melhores condições de trabalho das diversas categorias envolvidas. Também houve a recusa, de muitos, em trabalhar na pandemia sem uma remuneração extra e, até mesmo, aqueles que encontraram outras formas de ganhar a vida longe das jornadas extenuantes quer sejam aéreas, aquáticas ou terrestres. A pandemia também trouxe à luz a falta de pessoas preparadas para o trabalho ou até mesmo com desejo de atuar em áreas tão difíceis e pouco atrativas para as novas gerações.

Esse foi o ponto que “alguém passou o pé no trilheiro”. São peças que não chegam deixando produtos inacabados no aguardo; são veículos vendidos e não  entregues, por estarem em algum navio ou porto do mundo; são filas para abastecimento nos postos de gasolinas que não recebem combustível; são encomendas que ficam retidas por semanas em algum container esquecido em algum porto; são eletrodomésticos e equipamentos eletrônicos parados nas linhas de montagem das fabricas aguardando algum chip que não chega pois as fábricas não conseguem atender à demanda extremamente elevada; são engarrafamentos de navios em alguns portos e poucos navios chegando em outros e tudo isso com o Natal chegando, quando a busca por produtos chega no seu auge. Temos um mundo voltando à vida, querendo recuperar o prejuízo de meses parados, sendo atravancado por um sistema de logística e de transporte que não suporta a demanda súbita do mundo pós pandemia.

Como dizia Caetano Veloso "alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial". E como voltar à ordem? Teremos a mesma capacidade das formigas de voltar ao trilheiro? Ou vamos criar outra ordem, mais condizente com a realidade presente? Criamos um mundo globalizado com nichos de produção espalhados pelo mundo, nos quais as partes dos produtos foram sendo fabricadas, para se juntarem em algum outro ponto, trazidos por algum tipo de transporte e esta lógica está pagando o seu preço por não conseguir acompanhar o processo tecnológico que facilitou as vendas.

Quem poderá nos salvar? Eu acredito que é a mesma tecnologia que se expandiu para um lado, agora vai ter que evoluir para o outro, criando uma forma mais adequada de fazer os produtos chegarem sem atravancar os sistemas de transportes. Seria o teletransporte? Penso que não chegaremos a tanto no curto prazo, mas as impressoras 3D talvez possam solucionar a fabricação de uma parte considerável das peças e produtos, gerando as peças dentro das próprias montadoras ou mesmo lojas e dando uma folga para o transporte de outro produtos. Mas o que precisaríamos mesmo era de uma mudança efetiva na consciência das pessoas para que consumam menos produtos de origem distante e deem preferência ao que está sendo produzido próximo. Esta seria uma evolução bem mais sustentável!

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