Os idosos e as novas tecnologias, um mundo paralelo!

Esta semana meu pai completou 90 anos. Ele nasceu em 1928, entre as duas grandes guerras que marcaram o século passado. De lá para cá, a modernização tecnológica foi se acelerando e mudando o mundo que ele conhecia. Meu pai foi homem nascido no mato, mas sonhava com a cidade. Foi viver na cidade, sendo que, mais tarde, acabou ganhando a vida como agrimensor, usando muito do que aprendeu no mato. Sua vida sempre foi bem dinâmica nas mudanças. Nasceu em Aquidauana, na margem esquerda do rio de mesmo nome, que mais tarde tornou-se a cidade de Anastácio. Nasceu em Mato Grosso, que mais tarde tornou-se o estado de Mato Grosso do Sul. Vive há 40 anos em Cuiabá, Mato Grosso e costuma dizer que não identifica mais seu lugar de nascimento.

Meu pai nasceu quando Washington Luís era presidente e de lá para cá viu 29 presidentes passarem, primeiro pelo Rio de Janeiro e depois por Brasília, com suas promessas de um Brasil melhor e, como todos nós, acha que não melhorou o tanto que ele queria. Na sua vida de mudanças, além de topógrafo, foi representante comercial, até se aventurou pela política, como vereador no município de Terenos(MS) e Secretário da Prefeitura de Ribas do Rio Pardo(MS). Sonhou ser cantor, já que tocava violão e cantava polca paraguaia muito bem, e até mudou-se para São Paulo, na esperança de uma oportunidade, mas a cidade grande quase o engoliu junto com seu sonho artístico. Medir a terra, usar o teodolito, ficar no mato por dias, junto aos peões, foi o que mais ele gostou de fazer na vida, até que um descolamento de retina o impediu de continuar. Sempre gostou de ler e de acompanhar as notícias e do seu prisma, assistiu e participou das mudanças no mundo, nesse quase um século de vida.

Pessoas como meu pai, que nasceram no início do século passado, viviam as gerações e os inventos por mais tempo. Escutaram música em disco de 78 RPM; ouviram rádio para acompanhar as notícias do Repórter Esso; apreciaram o cinema, passando pelo mudo, preto e branco e “CinemaScope” colorido; acompanharam toda a evolução da TV, vivendo por muitos anos cada uma dessas fases. Hoje as coisas estão aceleradas e as gerações mudam muito rapidamente. Três ou cinco anos de diferença entre pessoas já definem se usam Twitter, Facebook ou Instagram; se frequentam um tipo específico de balada ou gostam de uma determinada banda na internet. São muitas tecnologias nascendo, evoluindo e morrendo ao mesmo tempo.

Hoje, como ele e minha mãe moram na nossa casa, eu e meu marido assistimos todos os dias os conflitos que as pessoas idosas enfrentam com as novas tecnologias, mesmo as mais corriqueiras. Talvez se eles ainda morassem na casa deles, teriam aquelas coisas antigas que colecionaram a vida toda e este impacto não seria tão importante, mas como moram com pessoas adeptas a novas tecnologias, as coisas ficam difíceis às vezes. Uma torneira com dispositivo de abertura moderno, um fogão de acendimento automático ou uma máquina de fazer café, já são coisas estranhas no universo deles. Imagina o que é um idoso entender a mágica de termos notícias e fotos instantâneas de todos os parentes, sem ter recebido uma carta ou telefonema? Ou como uma voz no GPS dita as rotas do carro, quando meu pai levava semanas para medir um pedaço de terra, na base do cálculo manual das coordenadas?

A tecnologia nos ajuda a viver mais e, hoje, mesmo com 90, a saúde do meu pai, bem acompanhada por médicos, exames e remédios, ainda é boa, mas a cabeça às vezes falha, especialmente quando tenta entender essas “modernidades” e do tanto que elas puxam pela memória. Se vivesse no mato, dormindo com os passarinhos e acordando com os galos, tudo ao seu redor seria simples e não exigiria tanto esforço como para se lembrar do endereço do apartamento; do número do andar no elevador; da senha do banco ou do plano de saúde; do canal da TV; de qual botão apertar no controle remoto do ar-condicionado; de como ligar o telefone sem fio ou o interfone... muito botões e controles confundem os mais velhos e os distanciam das pessoas de outras gerações. Suas experiências e conhecimentos da vida não são mais levadas em conta, pois são informações que, supostamente, estão no Google e ninguém mais pergunta. Os idosos convivem com a gente, mas é como se vivessem em um mundo paralelo, mesmo que tudo o que tenhamos hoje, seja fruto do que eles conquistaram no passado.

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